sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Independência dos EUA

Independência dos EUA

Por Manoel Affonso

A segunda metade do século XVIII assinala na História o momento em que o Antigo Regime, inadequado às novas exigências capitalistas, rompia-se em direção a Idade Contemporânea.

No outro lado do Atlântico, a primeira colônia a tornar-se um país livre anunciava que um dos esteios do Absolutismo, o sistema colonial, cedia à força dos novos anseios e idéias.

Ao romper o pacto colonial mercantilista e lançar as bases de uma sociedade liberal com tendências democráticas, a emancipação norte-americana influenciou decididamente as lutas pela independência da América Ibérica e, de alguma forma, todos os movimentos coloniais separatistas.

Armada teoricamente nos princípios iluministas que pregavam a sublevação das massas contra a opressão, a independência das treze colônias inglesas da América fez os ideais liberais, então sementes, firmarem-se como árvores vigorosas e de muitos ramos. O fluxo histórico em direção ao mundo contemporâneo reteve muito dos frutos e da seiva desse movimento, caracterizado sobretudo pelo mérito de concretizar parte essencial da lucidez de algumas das mais consistentes propostas filosóficas do “Iluminismo”, “Ilustração” ou “Filosofia das Luzes”, como ficou conhecido esse grande movimento intelectual setecentista (século XVIII), período considerado como época universal da crítica ou ainda, na visão da época, Século das Luzes ou a Idade da Razão.

A pena e o nanquim, mais que os canhões, esboçaram o perfil das revoluções, ao definirem no poder da imaginação, a possibilidade transformadora da ação.

O plasma histórico favorável à eclosão do primeiro dos movimentos de emancipação considerado revolucionário por alguns, ocorreu como uma reação americana às medidas fiscais e administrativas que a Inglaterra, então maior potência militar da época, impôs às treze colônias, na ânsia de compensar a crise econômica que a desequilibrara na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), contra a França.

A interjeição “chega!” forjou os fundamentos de muitas transformações, particularmente quando o limite entre o imaginário e o real é volátil ou inflamável e onde o canto dos poetas ou o barulho panfletário dos ideólogos é livre e estendido a muitos.

Um povo educado – e educação é adição sobretudo de escolhas – é um perigo aos déspotas reacionários ou a qualquer tipo de tirania.
As novas leis tributárias inglesas, incompetentes, injustas e inoportunas, não levaram em conta as especiais condições do espaço e do tempo em que foram infligidas: a exploração inglesa nas colônias americanas do norte e centro foi atípica. Desinteressada pelas possibilidades econômicas dessa região, a metrópole permitiu relativo grau de desenvolvimento e liberdade.

Soma-se a esse contexto, o terreno fértil que as idéias de Locke, Rousseau e Montesquieu, dentre outras, encontraram para romper obstáculos e apontar caminhos. Quando os insurgentes reuniram-se em congressos para delinear estratégias, definir e coordenar as atitudes contra a coroa, adotaram como arma a fraseologia dos filósofos do Iluminismo, e mais uma vez as palavras, não pelo tom, mas pelo eco fixaram-se como os baluartes de uma rebelião que transcendeu o continente e, em muito, o seu tempo.

Quando em 1775 foi realizado o Segundo Congresso Continental da Filadélfia, uma comissão liderada por Thomas Jefferson redigiu a Declaração de Independência das treze colônias, a partir de então chamadas de Estados. A força do texto, somada ao sucesso de vendas de panfletos do escritor Tom Paine (120 mil em três meses), que espalhavam sínteses dos anseios separatistas, fincaram-se na historiografia como agentes de ruptura e transformação mais avassaladores do que a mais poderosa máquina de guerra da época. Talvez não seja mera retórica a asserção de que, por vezes, a força da baioneta é superficial em relação ao quão profundo fere a caneta.

Mais, muito mais que a proclamação legal da independência, ainda não conquistada por ocasião de sua promulgação, este documento define, sob inspiração da revolução iluminista, os Direitos naturais do homem (Direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade). Ao governo incapaz de reconhecer ou atender a esses Direitos inalienáveis, impôs-se o Direito dos governados à rebelião. Talvez estejamos diante de um dos momentos mais férteis e lúcidos da história da imaginação enquanto antídoto para o atraso e a injustiça.

Uma Revolução? Não há consenso. A adoção desse termo, em História, solicita o envolvimento de desvios poderosos em cada uma das unidades que se articulam para a composição da realidade social como um todo. Uma ordem histórica estrutura-se nas instituições jurídico-político-ideológicas (superestrutura) determinadas pela infra-estrutura econômico-social de então. Assim, uma ação revolucionária no, por exemplo, modelo econômico de uma sociedade, teria que resultar na desintegração das unidades correlatas e na reintegração das mesmas sob o molde da nova organização social.

A independência das 13 colônias inglesas manteve a escravidão e não desviou o poder e os privilégios das mãos da aristocracia do sul ou dos grandes comerciantes do norte, o que não impôs à estrutura da sociedade mudanças fundamentais.

Em todo caso, a expressão Revolução, em sua acepção atual, alargou-se a ponto de permitir releituras articuladas a novas percepções. Sob esse renovado olhar, já não nos bastam os grandes fatos, mas suas interconexões à cadeia de eventos que os permitiram e foram por eles definidos. A independência dos Estados Unidos da América revolucionou reações coloniais à opressão metropolitana, o que pulverizou a partir da América, o sistema colonial, um dos esteios de uma era que, a partir de então, ficava para trás.

Ao mais, essa reação americana definiu a primeira nação aos moldes da democracia liberal burguesa. Ao apresentarem-se como integrantes dos Estados Unidos da América, um Estado Federado, com forma de governo republicano e regime presidencialista, os colonos norte-americanos fizeram-se porta-vozes e bastiões da certeza de que uma das forças mais contundentes do planeta é a de vontade. Sobretudo a vontade capaz de aglutinar “cidadãos” em torno de um elemento comum a todas as estratégias vitoriosas: companheirismo. Companheirismo catalisado pelo vigor de ideais irrefutáveis.

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