sexta-feira, 22 de agosto de 2008

História da América do Sul

A História da América do Sul é marcada por uma tendência de ascensão e declínio de impérios e dominações estrangeiras, desde a derrocada dos Incas, colonização e as guerras de independência, até mais recentemente, por sucessivas ondas de ditaduras e redemocratização. Apesar disso, embora muitas vezes se tratem os países do continente como bastante similares e politicamente ligados, estes processos políticos não ocorreram de forma homogênea em todos os países — dos quais são exceções notáveis, ao longo dos séculos, o Brasil e as Guianas.
Pré-História

A América do Sul foi provavelmente o último continente do planeta a ser habitado por humanos, à exceção da Antártida. Segundo a teoria paleontológica mais consolidada, os primeiros habitantes do continente teriam chegado por terra, vindo da América do Norte e, antes disso, da Ásia por meio de uma ponte de gelo existente entre os dois continentes na última Era Glacial. Outras teorias, no entanto, especulam que a América do Sul poderia ter sido povoada por polinésios que teriam atravessado o Oceano Pacífico em jangadas de bambu.

As primeiras evidências de ocupação humana datam de 6500 a.C., por vestígios de agricultura: batata e feijão eram cultivados na bacia do Amazonas. Outros vestígios, de cerâmica, indicam que o cultivo da mandioca (até hoje alimento básico no continente) existiu desde pelo menos 2000 a.C.. Nesta época, já havia várias aldeias nos Andes e arredores. Nos rios e no litoral (principalmente no Pacífico), consolidou-se a pesca, que ajudou a ampliar a base alimentar. Lhamas e alpacas foram domesticados a partir de 3500 a.C., servindo para a produção de carne, lã e como transporte.

Por volta do ano 1000, mais de dez milhões de pessoas habitavam o continente, concentrados principalmente na Cordilheira dos Andes e no litoral norte, banhado pelo Mar do Caribe. As demais regiões eram de povoamento mais esparso e nômade, como a Amazônia, o litoral Atlântico, o Planalto Central, o Altiplano, o Chaco e, finalmente, os Pampas, a Patagônia e o Atacama no chamado Cone Sul.

Civilizações nativas

Os Chibchas ou Muiscas foram uma das principais civilizações indígenas pré-incaicas, concentrados na atual Colômbia. Lá estabeleceram uma confederação de vários clãs (cacicazgos) com uma rede de comércio entre elas, além de ourives e agricultores. Junto com os quíchua nos Andes e os aimarás no Altiplano, formavam os três grupos sedentários mais importantes do continente.

A cultura Chavín, no atual Peru, estabeleceu uma rede comercial e agricultura desenvolvida a partir de 900 a.C., de acordo com estimativas e descobertas arqueológicas. Foram encontrados artefatos num sítio chamado Chavín de Huantar, a uma altitude de 3.177 metros. A civilização durou até 300 a.C..

Além destes e antes dos incas, houve outras civilizações (povos organizados em cidades, não em tribos e aldeias) sul-americanas, como os caral-supe ou Norte Chico (2500 a.C. - 1500 a.C., no centro do Peru), a cultura de Valdivia (no Equador), os moche (100 a.C. - 700 d.C., no litoral norte do Peru), a cultura tihuanaco ou tiwanaku (100 a.C. - 1200 a.C., na Bolívia), a cultura Paracas-Nazca (400 a.C. - 800 d.C., no Peru), o Império Huari (600 - 1200 d.C., no centro e norte do Peru), o Império Chimu (1300 - 1470, litoral norte peruano), os chachapoyas (1000 - 1450, na Bolívia e sul do Peru).

Outros povos importantes mas que não chegaram a ser civilizações eram os tupi (do litoral Atlântico à Amazônia), os guarani (na bacia do rio Paraná), os jê (na Amazônia e Planalto Central), os aruaques e caribes (no Planalto das Guianas e litoral caribenho), os mapuches (na Patagônia) e os aimarás (no Altiplano).

1100-1532: Ascensão do Império Inca


Originalmente, os incas eram um clã específico entre o povo quíchua (ou quéchua), que habitava os Andes. Estes eram uma civilização, de fato, na medida em que construíam e viviam em cidades (diferentemente dos indígenas da Amazônia e do Atlântico). Baseados em Cuzco, eles ascenderam ao poder e formaram um exército poderoso o suficiente para subjugar outras tribos e povos vizinhos, como os aimarás, os chibcha, os moche e os chavín, entre outros.

Enquanto a Europa vivia o período da Idade Média, os incas formaram um império que se estendia pela maior parte do litoral ocidental (Oceano Pacífico) do continente. Embora sem conhecerem a escrita nem a roda, os incas e os povos subjugados construíram um Estado altamente avançado, de administração centralizada, com sistemas de estradas, irrigações, cidades e palácios, e relações com os povos ao redor semelhantes às que havia entre os romanos e os "bárbaros" e "federados". O império era chamado de Tahuantinsuyu, ou "Estado dos quatro cantos do mundo".

Em 1530, o Império Inca estava em seu auge, com o imperador Huayna Capac. Este, no entanto, ao morrer deixou como herança um império partilhado entre seus filhos Huáscar (com o sul) e Atahuallpa (com o norte), o que ocasionou uma guerra civil entre os dois irmãos. Foi nesse contexto que os conquistadores espanhóis chegaram.

1532-1580: Conquista Ibérica
De acordo com registros não-oficiais, o primeiro registro visual do continente por europeus aconteceu em 1498, pelo navegador português Duarte Pacheco Pereira. Nos anos seguintes, o espanhol Vicente Yáñez Pinzón, o genovês Cristóvão Colombo e o português Fernão de Magalhães, todos a serviço de Castela, costearam e exploraram o litoral sul-americano em diferentes pontos. Em 1500, Pedro Álvares Cabral chega oficialmente ao Brasil e toma posse da nova terra para Portugal. Explorações continuaram nos anos seguintes, com Sebastião Caboto, Diogo Botelho Pereira, Nicolau Coelho, Alonso de Ojeda, Francisco de Orellana, entre outros.

Em 1494, face ao achamento do Novo Mundo por Colombo, Portugal e Castela se apressaram em negociar a partilha das novas terras. A divisão do planeta em dois hemisférios foli oficializada no Tratado de Tordesilhas, auspiciado pelo papa espanhol Alexandre VI. As demais potências européias, como a França, no entanto, se recusaram a aceitar validade do tratado, como explicitado na declaração do rei Francisco I de França, que ironizou os reinos ibéricos por não ter visto "o testamento de Adão" que lhes legava de herança o mundo inteiro. Na mesma intenção, o britânico Walter Raleigh explorou a costa norte do continente, do Orinoco ao Amazonas.
Os espanhóis, estimulados pelo sucesso de Cortés no México (contra os astecas), descem pelo Panamá e desembarcaram na costa do Império Inca, liderados por Francisco Pizarro, Gonzalo Pizarro, Hernando de Soto e Diego de Almagro. Numa rápida guerra, seqüestraram e executaram o imperador, Atahuallpa, e destróem o maior Estado da América de então. As décadas seguintes assistiram ao massacre sistemático e ao genocídio dos povos nativos (por meio de ataques ou transmissão de doenças contra as quais não tinham imunidade), especialmente nas zonas de ocupação portuguesa, onde até hoje a população indígena foi praticamente aniquilada e não deixou vestígios nos traços étnicos da população. A conquista resultou num violento decréscimo demográfico, reduzindo drasticamente a população do continente.
A América do Sul ficou dividida praticamente entre os dois reinos ibéricos, com áreas de colonização litorânea ocidental-pacífica para Castela e a oriental-atlântica para Portugal. Espanhóis se instalaram no Prata, no Caribe e nos Andes, utilizando a infraestrutura de cidades e transportes dos incas, além de iniciar a exploração de minas de prata em locais como Potosí. Já os portugueses investiram principalmente no extrativismo de pau-brasil e, mais tarde, na plantação de cana-de-açúcar. A ocupação portuguesa, a princípio, foi exclusivamente concentrada na faixa litorânea. O planalto das Guianas foi ocupado por ingleses (no Orinoco e Essequibo) e franceses (no Oiapoque e Maroni), mais tarde acrescentados dos holandeses.

A colonização ibérica também trouxe o proselitismo religioso, com a fundação de missões católicas para conversão dos nativos. O trabalho foi conduzido especialmente pelos jesuítas, membros da Companhia de Jesus fundada pelo espanhol Inácio de Loyola. Os jesuítas, como Bartolomeu de las Casas, tiveram papel fundamental na defesa dos indígenas contra a exploração por trabalho escravo. Povos como os guarani, na bacia do Paraná, foram protegidos durante três séculos pelos missionários. Isso estimulou a compra de africanos para trabalhar nas áreas de colonização (principalmente de plantação de cana-de-açúcar), o que fez crescer o tráfico negreiro da África para a América do Sul.

1580-1703: Disputas Coloniais

A União Ibérica, formada a partir de 1580, extingue na prática as fronteiras das zonas de colonização na América do Sul, alterando profundamente a dicotomia de ocupação até então existente entre lusos e castelhanos. Os dois povos, subordinados à mesma coroa, ganham a permissão de transitar livremente entre as duas áreas colonizadas — embora, na prática, o intercâmbio humano seja pouco.

A principal mudança da União Ibérica é que Portugal passa a ser inimiga dos adversários da Espanha, como Inglaterra e as recém-emancipadas Províncias Unidas dos Países Baixos. Com isso, potências como Inglaterra, França e Holanda invadiram e ocuparam áreas de dominação dos reinos ibéricos, como na Guiana, em Pernambuco e nas ilhas Malvinas, além de várias ilhas no Caribe. Os espanhóis não recuperam mais estas terras, enquanto os portugueses só conseguem expulsar os invasores após a recuperação da independência com a Revolução de 1640 (ver Guerra contra os holandeses).

A divisão administrativa das colônias criou, do lado espanhol, o Vice-Reino do Prata (atuais Argentina, Uruguai e Paraguai), o Vice-Reino de Nova Granada (atuais Colômbia, Venezuela, Equador e Panamá), o Vice-Reino do Peru (atuais Peru, Bolívia e norte do Chile) e a Capitania Geral do Chile, enquanto o lado português teve o Estado do Maranhão e o Estado do Brasil, depois unificados sob o Vice-Reino do Brasil.

Aos poucos, surgiu uma nova classe social e étnica, a partir da miscigenação entre colonos ibéricos e os índios: os mestiços ou gentio (na América Portuguesa) e os mestizos ou criollos (na América Hispânica). Nas áreas de escravidão, ocorreu o mesmo entre europeus e africanos, dando origem aos mulatos, cafuzos e mamelucos. Assim como os nativos, os mestiços eram forçados a pagar impostos abusivos, mas tinham mais acesso à cultura e de certa forma se viam herdeiros do patrimônio cultural católico e europeu. Aos poucos, esta "casta" começou a se rebelar contra o sistema de dominação colonial.

1703-1810: Revoltas Coloniais
As Guerras Napoleônicas submeteram Portugal e Espanha à ocupação (e, no caso desta última, ao domínio político) por parte da França, então em guerra contra a Inglaterra. Isto levou ingleses a atacarem terras sul-americanas sob controle espanhol, como no bombardeio a Buenos Aires, em 1810. O fato de o trono em Madri estar ocupado por um fantoche de Napoleão foi aproveitado pelas colônias hispânicas para ignorar a autoridade da metrópole e agir com maior autonomia. O caso português, no entanto, era ímpar, pelo fato de o trono ter-se transferido oficialmente para território da colônia no Brasil (elevado à categoria de reino em 1815). Com a restauração das monarquias soberanas, entre 1811 e 1814, os colonizadores tentaram restaurar o sistema rígido colonial, o que provocou revoltas.

O bacharel Simón Bolívar, nascido na Nova Granada e que estudara na Europa, e o platino José de San Martín, além de Bernardo O'Higgins do Chile, se encarregam de organizar os exércitos coloniais que enfrentam, durante quase 10 anos, as tropas enviadas por Madri para garantir o controle sobre a América. Pouco a pouco, libertam e conquistam, militarmente, a independência dos vários vice-reinados e capitanias sul-americanos, que passam a ser repúblicas.

No Brasil, a independência foi batalhada entre 1817 e 1825 (ano do reconhecimento por Portugal) por representantes das elites nativas, principalmente na Bahia, em Pernambuco e em São Paulo, por nomes como Cipriano Barata, Frei Caneca e José Bonifácio, mas acabou só sendo efetivada por iniciativa do próprio herdeiro do trono colonizador, o então príncipe-regente Pedro de Alcântara que se coroou imperador Dom Pedro I em 1822.

As Guianas inglesa, holandesa e francesa continuaram sob suas metrópoles. As duas primeiras só ficariam independentes na segunda metade do século XX (Guiana em 1966 e Suriname em 1975), enquanto a terceira ainda é um departamento ultramarino da França.

1828-1870: Fragmentação e Imperialismo Britânico
Durante as lutas pela independência, a intenção dos libertadores era unificar toda a América Hispânica sob uma mesma república (pan-americanismo). O plano de Bolívar para a unificação da América fracassa logo em seguida ao Congresso do Panamá, para desgosto do Libertador. A própria Nova Granada se fragmenta em Colômbia, Venezuela e, mais tarde, Equador. O Peru e o Alto Peru se separam como Peru e Bolívia (nome dado em homenagem a Bolívar).

A América Portuguesa, por outro lado, se mantém íntegra — exceto pelo extremo sul, a província Cisplatina, que ganha independência em 1828 com o nome de Uruguai. A derrota na Guerra da Cisplatina (1825-1828) ajuda a desestabilizar o reinado de Dom Pedro I.

O Império Brasileiro se firma como potência regional, intervindo nos vizinhos platinos com as guerras contra Aguirre e contra Oribe e Rosas. Internamente, o país sofre com as revoltas do período regencial e com a Guerra dos Farrapos.

O imperialismo do Reino Unido contribui para atiçar as jovens nações sul-americanas umas contra as outras. Ao instalar empresas privadas com grandes recursos financeiros e incitar os governos a agir em favor de seus interesses, os britânicos provocam algumas das guerras no continente. A Guerra do Paraguai (ou Guerra da Tríplice Aliança) é uma delas, na qual Brasil, Argentina e Uruguai, aliados, enfrentam o poder militar e político do economicamente independente Paraguai. A guerra termina com o arrasamento da nação paraguaia e no endividamento dos países vencedores, o que precipita mudanças internas (no Brasil, o fortalecimento do exército ajuda a fortalecer a causa republicana).

O Chile enfrenta a aliança de Peru e Bolívia na Guerra do Pacífico (1879-1884), derrotando-os e ocupando território rico em minério. Nesse conflito, a Bolívia deixa de ter acesso ao mar. O país também perde território para o Brasil com a anexação do Acre, em 1903. O Peru, por outro lado, vence disputa territorial com o Equador pela Amazônia, reduzindo este país ao diminuto território no lado ocidental dos Andes.

1870-1930: Caudilhismo
A partir da década de 1870, o continente viveu uma onda de governos autoritários e nacionalistas, liderados por figuras típicas da política latino-americana chamados de "caudilhos". A maioria governava com apoio das forças armadas e se manteve no poder por vários anos com dispositivos extra-constitucionais (golpes de Estado, cancelamento de eleições, presidências vitalícias, entre outros). Alguns deles foram:

* Bartolomé Mitre
* Juan Vicente Gómez na Venezuela
* Manuel Montt e Jorge Montt no Chile
* Augusto Leguía y Salcedo no Peru

Houve caudilhos tanto de caráter reformista quanto conservador. Alguns promoveram modernização econômica dando voz às classes urbanas, outros se voltaram para as classes tradicionais agrárias. De forma geral, a onda autoritária durou até a ascensão da burguesia industrial, na década de 1930.

1930-1954: Populismo e Imperialismo dos EUA

Os anos 1930 na América do Sul começaram sob o forte impacto da crise de 1929 e da Grande Depressão que se seguiu nos Estados Unidos, provocando conseqüências diretas nos países sul-americanos que tinham nos EUA o principal comprador de seus produtos e matérias-primas. Isso impulsionou a ascensão de regimes populistas e representantes da nova burguesia industrial, como os de Getúlio Vargas no Brasil e Juan Perón na Argentina. Entre 1932 e 1935, é travada a Guerra do Chaco, entre Bolívia e Paraguai, por campos de petróleo que se provaram inexistentes.

A suspeita de aproximação e o receio de alinhamento de alguns destes ditadores com as potências do Eixo, antes e durante a Segunda Guerra Mundial, levam o governo dos EUA (sob Franklin Roosevelt e Harry Truman) a criarem e implementarem a Política da Boa Vizinhança para o continente, destinada a aumentar a influência econômica e cultural norte-americana sobre a América do Sul. É dentro desta política que são realizados investimentos como a construção da Companhia Siderúrgica Nacional no Brasil e as visitas de Orson Welles e Walt Disney a alguns países do continente, produzindo filmes como É tudo verdade, Alô, amigos e Você já foi à Bahia?. No mesmo contexto, Carmen Miranda é levada para atuar em Hollywood, criando no imaginário dos EUA um estereótipo sul-americano que perdura até hoje.

1954-1990: Ciclos Militares
De 1954 a 1976, praticamente todo o continente mergulhou em regimes militares, comandados por Alfredo Stroessner no Paraguai, Augusto Pinochet no Chile, Hugo Bánzer na Bolívia, Leopoldo Galtieri na Argentina, e pelos cinco marechais e generais brasileiros (Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo). Vários destes governos colaboraram na Operação Condor.

As ditaduras são enfrentadas por movimentos guerrilheiros de esquerda, como o MR-8 e a ALN, no Brasil, os Tupamaros no Uruguai, a Mano Negra na Argentina, e o Sendero Luminoso e o MRTA no Peru. Na Colômbia, embora não esteja sob ditadura, as FARC e o ELN inciam uma guerra civil que dura quatro décadas e tomam controle sobre considerável parte do país.

1983-1999: Redemocratização e Experiências
Neoliberais

O primeiro ciclo de redemocratização, a partir da metade da década de 1980, foi liderado por Raúl Alfonsín na Argentina, Patricio Aylwin no Chile, Alan García no Peru e Tancredo Neves e José Sarney no Brasil.

Num segundo momento, seus sucessores implementam reformas neoliberais seguindo as orientações do Fundo Monetário Internacional e do Consenso de Washington. A América do Sul vira um grande laboratório para as experiências neoliberais. Carlos Menem na Argentina, Eduardo Frey no Chile, Alberto Fujimori no Peru (que dá um golpe de Estado civil e fica no poder por 10 anos), e Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso no Brasil privatizam as empresas públicas, reduzem gastos sociais e abrem suas economias a investimentos externos, principalmente à especulação financeira. Em quase todos os casos, um surto de crescimento e importação é seguido por forte recessão econômica, queda da produtividade e desemprego, com empobrecimento da classe média.

A proposta de integração latino-americana é retomada no campo econômico, com a abolição gradual de barreiras alfandegárias e propostas para uniões monetárias. A Comunidade Andina de Nações (CAN) é fortalecida com a adesão de Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia e Equador enquanto, no Cone Sul, forma-se o Mercado Comum do Sul (Mercosul), com Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O Chile participa como observador em ambos os grupos, mas acaba se aproveitando de relações comerciais próximas com os EUA e a Ásia.

1999-...: Guinada à Esquerda
A partir do final dos anos 1990, com as crises econômicas e sociais resultantes das experiências neoliberais (privatizações de empresas estatais, corte de gastos públicos, desregulamentação de serviços, fim de benefícios trabalhistas), os governos de direita vão perdendo popularidade e começa uma seqüência de eleições de governos populistas ou de centro-esquerda, como por exemplo:

* Hugo Chávez na Venezuela
* Néstor Kirchner na Argentina
* Lula no Brasil
* Lucio Gutiérrez e Rafael Correa no Equador
* Ricardo Lagos e Michelle Bachelet no Chile
* Evo Morales na Bolívia
* Alan García no Peru

O fenômeno é chamado de "Guinada à Esquerda" da América do Sul e inclui tanto lideranças que se notabilizam pelo radicalismo no enfrentamento antielitista e antiimperialista (como o venezuelano Chávez e o boliviano Morales) quanto moderados (como o brasileiro Lula e o peruano García). A proposta, lançada pelos EUA, de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), é contraposta pela Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), lançada por Chávez com o apoio do cubano Fidel Castro. Na mesma época, o continente sedia cinco edições do Fórum Social Mundial, evento global que reúne lideranças de movimentos sociais, ONGs e partidos de esquerda de todo o mundo.

Independência dos EUA

Independência dos EUA

Por Manoel Affonso

A segunda metade do século XVIII assinala na História o momento em que o Antigo Regime, inadequado às novas exigências capitalistas, rompia-se em direção a Idade Contemporânea.

No outro lado do Atlântico, a primeira colônia a tornar-se um país livre anunciava que um dos esteios do Absolutismo, o sistema colonial, cedia à força dos novos anseios e idéias.

Ao romper o pacto colonial mercantilista e lançar as bases de uma sociedade liberal com tendências democráticas, a emancipação norte-americana influenciou decididamente as lutas pela independência da América Ibérica e, de alguma forma, todos os movimentos coloniais separatistas.

Armada teoricamente nos princípios iluministas que pregavam a sublevação das massas contra a opressão, a independência das treze colônias inglesas da América fez os ideais liberais, então sementes, firmarem-se como árvores vigorosas e de muitos ramos. O fluxo histórico em direção ao mundo contemporâneo reteve muito dos frutos e da seiva desse movimento, caracterizado sobretudo pelo mérito de concretizar parte essencial da lucidez de algumas das mais consistentes propostas filosóficas do “Iluminismo”, “Ilustração” ou “Filosofia das Luzes”, como ficou conhecido esse grande movimento intelectual setecentista (século XVIII), período considerado como época universal da crítica ou ainda, na visão da época, Século das Luzes ou a Idade da Razão.

A pena e o nanquim, mais que os canhões, esboçaram o perfil das revoluções, ao definirem no poder da imaginação, a possibilidade transformadora da ação.

O plasma histórico favorável à eclosão do primeiro dos movimentos de emancipação considerado revolucionário por alguns, ocorreu como uma reação americana às medidas fiscais e administrativas que a Inglaterra, então maior potência militar da época, impôs às treze colônias, na ânsia de compensar a crise econômica que a desequilibrara na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), contra a França.

A interjeição “chega!” forjou os fundamentos de muitas transformações, particularmente quando o limite entre o imaginário e o real é volátil ou inflamável e onde o canto dos poetas ou o barulho panfletário dos ideólogos é livre e estendido a muitos.

Um povo educado – e educação é adição sobretudo de escolhas – é um perigo aos déspotas reacionários ou a qualquer tipo de tirania.
As novas leis tributárias inglesas, incompetentes, injustas e inoportunas, não levaram em conta as especiais condições do espaço e do tempo em que foram infligidas: a exploração inglesa nas colônias americanas do norte e centro foi atípica. Desinteressada pelas possibilidades econômicas dessa região, a metrópole permitiu relativo grau de desenvolvimento e liberdade.

Soma-se a esse contexto, o terreno fértil que as idéias de Locke, Rousseau e Montesquieu, dentre outras, encontraram para romper obstáculos e apontar caminhos. Quando os insurgentes reuniram-se em congressos para delinear estratégias, definir e coordenar as atitudes contra a coroa, adotaram como arma a fraseologia dos filósofos do Iluminismo, e mais uma vez as palavras, não pelo tom, mas pelo eco fixaram-se como os baluartes de uma rebelião que transcendeu o continente e, em muito, o seu tempo.

Quando em 1775 foi realizado o Segundo Congresso Continental da Filadélfia, uma comissão liderada por Thomas Jefferson redigiu a Declaração de Independência das treze colônias, a partir de então chamadas de Estados. A força do texto, somada ao sucesso de vendas de panfletos do escritor Tom Paine (120 mil em três meses), que espalhavam sínteses dos anseios separatistas, fincaram-se na historiografia como agentes de ruptura e transformação mais avassaladores do que a mais poderosa máquina de guerra da época. Talvez não seja mera retórica a asserção de que, por vezes, a força da baioneta é superficial em relação ao quão profundo fere a caneta.

Mais, muito mais que a proclamação legal da independência, ainda não conquistada por ocasião de sua promulgação, este documento define, sob inspiração da revolução iluminista, os Direitos naturais do homem (Direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade). Ao governo incapaz de reconhecer ou atender a esses Direitos inalienáveis, impôs-se o Direito dos governados à rebelião. Talvez estejamos diante de um dos momentos mais férteis e lúcidos da história da imaginação enquanto antídoto para o atraso e a injustiça.

Uma Revolução? Não há consenso. A adoção desse termo, em História, solicita o envolvimento de desvios poderosos em cada uma das unidades que se articulam para a composição da realidade social como um todo. Uma ordem histórica estrutura-se nas instituições jurídico-político-ideológicas (superestrutura) determinadas pela infra-estrutura econômico-social de então. Assim, uma ação revolucionária no, por exemplo, modelo econômico de uma sociedade, teria que resultar na desintegração das unidades correlatas e na reintegração das mesmas sob o molde da nova organização social.

A independência das 13 colônias inglesas manteve a escravidão e não desviou o poder e os privilégios das mãos da aristocracia do sul ou dos grandes comerciantes do norte, o que não impôs à estrutura da sociedade mudanças fundamentais.

Em todo caso, a expressão Revolução, em sua acepção atual, alargou-se a ponto de permitir releituras articuladas a novas percepções. Sob esse renovado olhar, já não nos bastam os grandes fatos, mas suas interconexões à cadeia de eventos que os permitiram e foram por eles definidos. A independência dos Estados Unidos da América revolucionou reações coloniais à opressão metropolitana, o que pulverizou a partir da América, o sistema colonial, um dos esteios de uma era que, a partir de então, ficava para trás.

Ao mais, essa reação americana definiu a primeira nação aos moldes da democracia liberal burguesa. Ao apresentarem-se como integrantes dos Estados Unidos da América, um Estado Federado, com forma de governo republicano e regime presidencialista, os colonos norte-americanos fizeram-se porta-vozes e bastiões da certeza de que uma das forças mais contundentes do planeta é a de vontade. Sobretudo a vontade capaz de aglutinar “cidadãos” em torno de um elemento comum a todas as estratégias vitoriosas: companheirismo. Companheirismo catalisado pelo vigor de ideais irrefutáveis.

A INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA IBÉRICA

OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA NA AMÉRICA LATINA
Eliane Aguirre1
Resumo:
Este artigo procura tratar alguns assuntos ligados ao processo de independência política dos
países da América Latina, fazendo uma separação entre as colônias ligadas à Espanha e as ligadas
à Portugal, em especial, o Brasil.
Palavras chaves: colonialismo, independência, América Latina.
“E os povos? Lutaram pela independência? Digamos que onde os chefes levantaram
bandeiras de redenção social ou, mais modestamente, de melhores condições de vida, os povos
lutaram. Mas, entenda-se bem, mais que pela independência, lutaram pela terra, pelo pão e pela
liquidação do servilismo”.2
O sistema de colonização mantido pelos países europeus no continente americano durou
mais de três séculos. Entre os países europeus, Portugal e Espanha dominaram os territórios mais
vastos da América, e também os mais ricos para a economia daquela época.
Embora houvesse diferenças entre eles, as relações entre as metrópoles ibéricas e suas
colônias americanas seguiam mais ou menos a mesma forma de funcionamento: as colônias
deveriam produzir mercadorias rentáveis no mercado europeu (principalmente gêneros agrícolas
tropicais e metais preciosos) que seriam exportados para a metrópole e de lá reexportados para
outros países; as colônias não poderiam fabricar produtos manufaturados, tendo que comprá-los
da metrópole.
Embora Portugal e Espanha utilizassem vários métodos para controlar essas relações, nunca
conseguiram garantir o comércio colonial apenas para si. Muitos produtos eram manufaturados
nas colônias, mesmo que clandestinamente; era muito intenso o contrabando, tanto de
mercadorias européias quanto de metais preciosos (ouro e prata).
Aqueles dois países, não tendo desenvolvido indústrias, eram obrigados a se abastecer em
países mais fortes economicamente, como a Inglaterra e a França, tornando-se dependentes deles.
Além disso, os incentivos dados ao incremento da produção de gêneros tropicais e de metais
1 Mestranda em História pela Universidade de Passo Fundo
preciosos e ao comércio, acabaram promovendo um certo crescimento econômico das áreas
coloniais, fazendo com que, pouco a pouco, as elites coloniais começassem a perceber a
necessidade de se separarem das metrópoles.
As relações entre os países ibéricos e suas colônias envolviam também outras nações
européias. Por isso, os acontecimentos que atingiam os países europeus acabavam tendo
repercussões nas colônias espanholas e também no Brasil. Assim, as transformações sociais e
econômicas pelas quais passava a Europa no início do século XIX, bem como os conflitos
daquele continente afetaram a vida dos domínios espanhóis e portugueses na América, acelerando
o processo de crise do sistema colonial, que resultaria na independência dos territórios
americanos.
“As Guerras de Independência foram, por sua relativamente curta duração e pelos positivos
resultados obtidos, um fato histórico de grande ressonância. Em dez anos se libertou um
continente de uma dominação que havia durado três séculos. Em um ano se declararam contra a
Espanha Estados e cidades separados por milhares de quilômetros e quase sem contradição. O
grito da Independência se propagou como por contagio, sem resistência visível...” 3
O processo de luta pelo fim do sistema colonial e pela independência política da América
foi resultado da ação de grupos numericamente pequenos, mas fortes e poderosos, que se
organizaram e, dessa forma, estruturaram os novos países de acordo com seus interesses.
Veremos a seguir, como se efetivou esse processo, primeiro, das colônias espanholas, e depois,
do Brasil, colônia portuguesa.
INDEPENDÊNCIA DAS COLÔNIAS ESPANHOLAS.
Durante as três primeiras décadas do século XIX, as colônias espanholas lutaram pela
independência em relação à metrópole. Não se tratou de um movimento único, mas de vários
processos distintos. Entretanto, podemos dizer que alguns elementos comuns contribuíram para
as luta pela independência.
O pensamento liberal do Iluminismo, que influenciou a independência dos Estados Unidos
(1776) e os grupos da Revolução Francês (1789), também se difundiu entre setores da elite
colonial espanhola. Muitos dos ideais antiabsolutistas defendidos pelo liberalismo serviram de
justificativa filosófica para a luta contra o domínio colonial espanhol.
Assim, as criticas contra o absolutismo europeu se transformaram em anticolonialismo na
América.
Além das idéias liberais, as lutas pela independência foram impulsionadas pela consciência
das elites coloniais de que os laços com o governo espanhol dificultavam seu domínio mais pleno
sobre as áreas da América. Essa elite era constituída, sobretudo, pelos criollos (filhos de
espanhóis nascidos na América).
A metrópole espanhola era responsável por várias medidas que prejudicavam a elite criolla:
a) dificultava o acesso dos criollos aos altos cargos do governo e administração colonial. A
maioria desses cargos era ocupada por pessoas nascidas na Espanha.
b) cobrava elevados tributos sobre produtos de exportação.
c) restringia o desenvolvimento de produtos manufaturados que concorressem com a produção
metropolitana.
As elites coloniais formavam um conjunto diversificado no qual encontramos grupos de
latifundiários (produtores de gêneros de exportação como cacau, açúcar etc.), comerciantes
urbanos, proprietários de minas etc. Não tinham o mesmo pensamento político ou econômico,
mas, em geral, concordavam em querer ampliar seus poderes locais e desejavam conquistar
direito ao livre comércio.
Por meio de varias revoltas emancipacionistas, que abrangeram o período de 1810 a 1828,
diversas áreas da América espanhola foram conquistando sua independência política.
Na América do Sul, as lutas pela independência contaram com a liderança de homens como
José San Martín e Simón Bolívar.
San Martín comandou um poderoso exército contra as forças espanholas, obtendo
importantes vitórias nas regiões sul e central da América do Sul. É considerado libertador da
Argentina, Chile e Peru.
Simón Bolívar destacou-se como líder militar e político nas lutas pela independência
travadas mais ao norte da América do Sul. É considerado libertador da Venezuela, da Colômbia,
do Equador, da Bolívia e também do Peru.
“O fato de a chamada elite criolla ter sido a promotora da independência determinou
simultaneamente, as finalidades e os limites desta. Constituindo-se em classe dominante, não
tinha, é claro, nenhum interesse em alterar a ordem social vigente. A estrutura interna latinoamericana
estava montada em função da articulação com os mercados europeus, para onde iam as
matérias-primas e de onde vinham as manufaturas. O monopólio exercido por Espanha e
Portugal, tornando insuportável o pacto colonial, motivou, a partir de certo momento, a rebelião
de independência. Por trás de um discurso de liberdade, o que houve foi a oposição aos seculares
privilégios gerados no mercantilismo: a cobrança de impostos, a proibição de produzir e negociar
livremente e a obrigação de os navios, que vinham ou saíam do Novo Mundo, de passarem,
obrigatoriamente, por portos ibéricos”.4
A Revolução Francesa e o Império Napoleônico também exerceram influência na
independência das colônias. A Revolução foi uma luta contra o absolutismo e o mercantilismo
(que era também a luta dos colonos). E Napoleão, ao invadir a Península Ibérica, acabou
acelerando o processo da independência. A ocupação francesa desorganizou completamente o
sistema colonial na América e possibilitou o aparecimento de circunstâncias favoráveis ao
movimento libertados.
Impedida de reagir, a metrópole apenas assistiu às sucessivas manifestações de rompimento
político por parte dos povos da América. Quando, finalmente, se libertou do domínio francês, em
1815, a Coroa espanhola tentou, por meio de violenta repressão, impedir novos movimentos. Mas
já não havia a menor possibilidade de sucesso.
O imenso Império espanhol desmoronou em menos de vinte anos.
Quando Napoleão Bonaparte dominou a Espanha e depôs o rei, as colônias se recusaram a
obedecer aos franceses, organizando Juntas Governativas, que iriam cuidar da administração até
que a situação internacional se definisse.
Numa primeira etapa (1810-1815), que corresponde ao período em que a Espanha estava
ocupada pelos franceses, deu-se a independência da Argentina, do Paraguai, da Venezuela, do
Equador e do Chile. O México também tentou, mas foi dominado. A Venezuela e o Equador
foram reconquistados pelos espanhóis.
Na segunda fase (1816-1828), quando o rei Fernando VII já havia reassumido o trono
espanhol, ocorreram as independências da Bolívia, do México, do Peru e da América Central. O
Uruguai, que naquela época havia sido anexado ao Brasil, iniciou a luta pela libertação em 1825,
conseguindo-a, em 1828.
“Por que se insurgem as colônias da Espanha? Será por que os grandes latifundiários
(habitualmente produtores para a exportação), os proprietários de minas, os donos de milhões de
índios e os poderosos mercadores de além-mar forma seduzidos pelos filósofos franceses e alguns
liberais pensadores espanhóis? É claro que houve exceções (e Bolívar foi uma delas), mas a
imensa maioria moveu-se por motivos mais prosaicos. Havia chegado o momento de afastar um
sócio incômodo: o poder da Coroa espanhola...”5
O nascimento dos Estados Nacionais na América Latina ficou marcado por uma dupla
limitação: economicamente, pela inserção na nova divisão internacional do trabalho, na condição
de área periférica, o que garantia a manutenção do latifúndio e do trabalho escravo;
politicamente, pelas limitações democráticas, que excluíam a maior parte da população até
mesmo do elementar direito ao voto.
A independência que acabou se efetivando na América espanhola, na prática, promoveu o
rompimento das relações entre colônias e metrópole advindas do pacto colonial, mas manteve
estruturas sociais herdadas do antigo sistema colonial. Para isso, contribuíram diversos fatores,
especialmente o controle que as elites criollas e locais assumiram nas lutas pela independência.
A independência política, contudo, se por um lado permitiu o rompimento do pacto
colonial, favorecendo as transações comerciais entre as nações recém-emancipadas e os centros
de desenvolvimento capitalista, por outro, impôs a dependência econômica latino-americana às
grandes potências capitalistas do século XIX.
As nações latino-americanas permaneciam desempenhando o papel de fornecedoras de
matérias-primas e consumidoras de artigos industrializados. As elites locais, defendendo seus
próprios interesses, aliaram-se às potencias hegemônicas (primeiramente Inglaterra, e, depois,
Estados Unidos), colaborando para perpetuar a situação de dependência em que se achava a
América do Sul, desde o século XVI.
“para aqueles que não dispunham de recursos, quer econômicos, quer culturais, os novos
tempos não trouxeram benesses ou regalias. Reformas sociais de peso, terra, salários dignos,
participação política, educação popular, cidadania, respeito cultural às diferenças, tudo isso iria
ter de esperar. As ações de governos autoritários cobririam e deixariam suas marcas registradas
na América Latina durante a maior parte do século XIX. Os de baixo teriam de se organizar,
lutar, sofrer e morrer para alcançar seus objetivos. Não foram as lutas de independência que
mudaram sua vida”.6
Embora os pobres tivessem, em muitas oportunidades, lutado ao lado de seus senhores, a
independência não lhes trouxe alterações definitivas. Permaneceram à margem dos benefícios,
garantindo o poder econômico e político dos caudilhos, os chefes políticos dos novos países do
continente.
“A ausência de um poder político institucionalizado na fase posterior à independência abriu
espaço às múltiplas manifestações autonomistas do latifúndio e foi assim que surgiram os
caudilhos, lideres locais que funcionaram como porta-vozes das diferentes frações da classe
dominante em variados momentos, valendo-se do amplo espaço que lhes permitia a falta de
Estados juridicamente organizados. Com os caudilhos, fortaleceu-se uma tradição que se
perpetuaria mesmo depois de a América espanhola ter definido seus Estados e fronteiras: acima
de leis ou instituições, com seu discurso ideológico, há o capricho de um chefe, com seu arbítrio
e sua capacidade de arregimentar forças”.7
Os capitais estrangeiros entravam na América Latina sob a forma de empréstimos, que eram
aplicados em ferrovias, portos, eletrificação, melhorias urbanas, telégrafos, etc. O pagamento de
tais empréstimos representava um lucro extraordinário para os credores estrangeiros e provocava
o escoamento do dinheiro para fora dos países devedores.
Banqueiros e comerciantes europeus e norte-americanos instalaram filiais de suas empresas
nas principais cidades da América do Sul de onde controlavam os negócios. É verdade que essas
aplicações de capital trouxeram uma certa modernização para algumas cidades do continente,
mas pagava-se um preço muito alto por ela. Além disso, ela não significava benefícios para toda
a população, e como ocorrera na Europa, uma minoria de privilegiados usufruía dos novos
investimentos.
A independência política não significou autonomia econômica e, tampouco, a superação de
algumas características coloniais. A base da riqueza continuou sendo o extrativismo mineral e
vegetal, a agricultura monocultora e latifundiária, voltados para o mercado externo.
“Investimentos no estrangeiro, especialmente os na América Latina, cresceram rapidamente
na ultima metade do século XIX. Ainda que o total do capital britânico na América Latina, em
1850, fosse pequeno, ele aumentou em ritmo constante durante as décadas de 1850 e 1860”.8
O Paraguai manteve, até 1865, uma política fortemente nacionalista e de busca de sua
independência econômica.
OS governos paraguaios do pós-independência procuravam manter o país menos
dependente dos estrangeiros. Mesmo com poucos recursos, o país contava com algumas fábricas
que produziam de tecidos a navios, com matérias-primas e técnica desenvolvidas no próprio país.
Por ser um país afastado do mar, era muito importante para o Paraguai manter a livre
navegação no estuário do rio da Prata, pois era sua única saída para o Oceano Atlântico. A
passagem dos navios paraguaios pelo Prata dependia, pois, de suas relações com os países que
controlavam o estuário, sobretudo a Argentina e o Uruguai. Os brasileiros também utilizavam a
bacia do Prata para atingir as vastas regiões do centro-oeste do império, dadas as dificuldades de
acesso por via terrestre. Essa situação fazia com que fosse necessário, para todos esses países,
manter estáveis as relações entre eles e evitar o fechamento do Rio da Prata.
Mas as relações entre esses países nem sempre foram tranqüilas, e desde o período colonial,
a região era alvo de acirradas disputas. Após as independências, fortes hostilidades marcavam as
relações entre o Paraguai, de um lado, Argentina e Brasil, de outro. A Inglaterra aproveitou a
tensão local, estimulando a formação de uma aliança contra o Paraguai, formada pelo Brasil, a
Argentina e o Uruguai. Alegando problemas de invasão de território, a Tríplice Aliança
envolveu-se numa guerra contra a nação guarani, iniciada em 1865 e terminada em 1870.
Terminada a guerra, o Paraguai, derrotado, sucumbiu aos interesses externos e à
dependência econômica.
Embora a imensa maioria dos países houvesse se organizado sob a forma republicana (as
únicas exceções foram o México e o Brasil, que viveram experiências monárquicas), eles se
caracterizaram pela instabilidade política. Tal instabilidade pode ser explicada, pelo menos, em
parte, porque o poder, quase sempre, era tomado à força por grupos rivais. Um caudilho (dono de
terras e chefe de exércitos particulares), por meio de um golpe, desaloja o outro do poder, com o
auxilio de suas tropas particulares e de outros donos de terra que lhe davam apoio.
“A história do Paraguai esteve intimamente ligada à do Brasil e à da Argentina, principais
pólos do subsistema de relações internacionais na região do Rio da Prata. O isolamento
paraguaio, até a década de 1840, bem como sua abertura e inserção internacional se explicam, em
grande parte, pela situação política platina. Nos anos seguintes a essa abertura, o Paraguai teve
boas relações com o Império do Brasil e manteve-se afastado da Confederação Argentina, da qual
se aproximara nos anos de 1850, ao mesmo tempo que vivia momentos de tensão com o Rio de
Janeiro. Na primeira metade da década de 1860, o governo paraguaio, presidido por Francisco
Solano López, buscou ter participação ativa nos acontecimentos platinos, apoiando o governo
uruguaio hostilizado pela Argentina e pelo Império. Desse modo, o Paraguai entrou em rota de
colisão com seus dois maiores vizinhos e Solano López acabou por ordenar a invasão de Mato
Grosso e Corrientes e iniciou uma guerra que se estenderia por cinco anos”.9
INDEPÊNDENCIA DA COLÔNIA PORTUGUESA-BRASIL
Durante o período colonial, houve varias rebeliões envolvendo parcelas da população, em
conflito com representantes da metrópole. Foi o caso, da Revolta dos Beckman, da Guerra dos
Mascates, da Guerra de Vila Rica. De maneira geral, essas revoltas expressavam conflitos
localizados, ou seus líderes pretendiam modificar aspectos da política colonial. Não havia nessas
revoltas o objetivo de separação de Portugal.
No final do século XVIII, aconteceram outras revoltas, entre as quais, destacamos a
Conjuração Mineira(1789) e a Conjuração Baiana (1798), que, entre seus planos, tinham como
objetivo romper com a dominação colonial e estabelecer a independência política em relação a
Portugal. No entanto, o interesse dos revoltosos concentrava-se em tornar independentes as
regiões em que eles viviam.
“Podemos dizer que foram movimentos de revolta regional e não revoluções nacionais”.10
Esses movimentos foram duramente reprimidos, porém outros fatos auxiliaram para que o
Brasil se tornasse independente. Fatos tanto nacionais quanto internacionais. A seguir,
abordaremos e analisaremos os mesmos.
No início do século XIX, uma guerra abalou a Europa. Os exércitos de Napoleão
Bonaparte, imperador da França, dominavam diversos países europeus. Praticamente as únicas
forças capazes de resistir ao exercito francês foram as inglesas, que se protegiam com uma
poderosa marinha de guerra.
Sem conseguir dominar a Inglaterra pela força militar, Bonaparte tentou vencê-la pela força
econômica. Para isso, em 1806 decretou o Bloqueio Continental, pelo qual os países do
continente europeu deveriam fechar seus portos ao comercio inglês.
Nessa época, Portugal era governado pelo príncipe D. João, que não podia cumprir as
ordens de Napoleão e aderir ao Bloqueio Continental, pois os comerciantes de Portugal tinham
importantes relações com o mercado inglês.
D. João pretendia manter-se neutro no conflito entre franceses e ingleses. Os exércitos
franceses não aceitaram essa indefinição e invadiram Portugal, com o apoio de tropas espanholas.
Sem condições de resistir à invasão da tropas franco-espanholas, D. João e a corte
portuguesa fugiram para o Brasil, sob a proteção naval inglesa.
O governo inglês tratou de tirar o máximo proveito da proteção militar que deu ao governo
português. Interessado na expansão do mercado para suas indústrias, pressionou D. João a acabar
com o monopólio do comércio colonial.
Em 28 de janeiro de 1808, seis dias após o desembarque no Brasil, D. João decretou a
abertura dos portos ao comércio internacional, isto é, às “nações amigas”. Com essa medida, o
monopólio comercial ficava extinto, exceto para alguns poucos produtos, como sal e pau-brasil.
Os comerciantes da colônia ganhavam liberdade de comercio, e abria-se o caminho para a
emancipação do Brasil.
No Rio de Janeiro, D. João organizou a estrutura administrativa da monarquia portuguesa:
nomeou ministros de Estado, colocou em funcionamento diversos órgãos públicos, instalou
Tribunais de Justiça e criou o Banco do Brasil. Entre as medidas do governo de D. João, algumas
contribuíram para o processo de emancipação política brasileira.
Em 1815, o Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves.
Com essa medida, na prática, o Brasil deixava de ser colônia de Portugal.Tornava-se Reino
Unido e, com isso, adquiria autonomia administrativa.
“Na condição de sede do Reino, a cidade do Rio de Janeiro viu multiplicarem-se as
edificações, os chafarizes, as ruas calçadas – e também a quantidade de novos e velhos ofícios.
Contratado como pintor da Corte, Debret foi aos poucos desviando os olhos do interior do palácio
e voltando-se noutra direção, onde a vida realmente fervilhava: as ruas da cidade.
O que tinham elas de especial? Amontoavam hábeis artífices, quituteiras, barbeiros
ambulantes, vendedores de toda sorte e tantos outros trabalhadores em frenética atividade, numa
mistura de negros alforriadas, brancos ocupados e escravos urbanos, muitas vezes semilibertos,
que compunham a nova paisagem do Rio de Janeiro”.11
Em agosto de 1820, os comerciantes da cidade portuguesa do Porto lideraram um
movimento que ficou conhecido como Revolução Liberal.
Essa revolução espalhou-se rapidamente por Portugal, encontrando apoio em diversos
setores da população: camponeses, funcionários públicos, militares, profissionais liberais.
Chegou, inclusive, a conquistar adeptos no Brasil.
“Além de não ter sabido prever nem dominar a revolução desencadeada em Lisboa,
deixaram igualmente os ministros de D. João VI que ela invadisse, e quase co rapidez do
relâmpago, todas as províncias do Brasil, onde alguns patriotas esclarecidos já vinham
organizando uma revolução cujos objetivos e princípios a maioria da população brasileira
ignorava”.12
Vitoriosos, os revoltosos conquistaram o poder em Portugal e decidiram elaborar uma
constituição de caráter liberal, limitando os poderes de D. João VI. Pretendiam também fazer com
que o Brasil voltasse a ser uma colônia de Portugal (recolonização).
Contrariado pelos acontecimentos, o rei queria ficar no Brasil, e adiou quanto pôde seu
regresso à metrópole. Tropas portuguesas no Rio de Janeiro, porém, obrigaram-no a decidir-se a
voltar a Portugal.
Assim, D. João VI retornou à sua pátria no dia 26 de abril de 1821, deixando seu filho
Pedro como príncipe regente do Brasil.
As Cortes portuguesas, apesar de liberais em relação a Portugal, mostraram-se bastante
reacionárias com relação ao Brasil, pois tentaram recolonizá-lo.
A tentativa de recolonização, no entanto, não foi bem aceita pelas elites coloniais, que
optaram por caminhar rumo à independência.
Havia divergências entre os representantes das elites sobre como deveria se dar a
independência. Alguns desejavam que se proclamasse a Republica, como todos haviam feito na
América.
Outros pensavam que a ruptura com Portugal deveria ser da maneira mais tranqüila
possível, para evita que surgissem propostas radicais, como a de abolir a escravidão ou mudar a
estrutura da posse da terra.
O grupo que apoiava esta última idéia é que tomou a frente do movimento, conduzindo
todas as ações para conseguir uma independência que tivesse um caráter conservador.
O que se pretendia, e que foi afinal realizado, era uma separação política em relação a
Portugal, mantendo-se as estruturas sociais e econômicas sem qualquer mudança.
Para isso, os representantes das elites entenderam que seria da mais alta importância contar
com o príncipe D. Pedro, mesmo sendo ele português.
Todas as ações foram encaminhadas para fazer D. Pedro permanecer no Brasil e, mais do
que isso convencê-lo a participar, ativamente, do processo de independência, com a promessa de
tornar-se imperador do Brasil.
O primeiro passo foi “obrigar” D. Pedro a ficar no Brasil, pois as Cortes estavam exigindo
sua volta. Pressionado, ele concordou em ficar (janeiro de 1822 – o Dia do Fico). Em seguida, o
ministro José Bonifácio procurou fortalecer a autoridade do príncipe, ao mesmo tempo em que
tentava convencê-lo da independência.
O passo seguinte foi retirar a tropas portuguesas que ficavam no Rio e que poderiam
atrapalhar os planos. José Bonifácio conseguiu que D. Pedro expulsasse o comandante português.
Chegaram novos navios portugueses, trazendo ordens de prisão para todos os que
desobedecessem às determinações das Cortes. E insistiam para que D. Pedro regressasse a
Portugal.
No dia primeiro de agosto, José Bonifácio redigiu um manifesto às varias províncias. Nesse
manifesto, assinado por D. Pedro, comunicava-se que a independência já era realidade e
conclamava-se a todos para lutarem por ela.
Cinco dias depois, um novo manifesto foi enviado, desta vez às nações amigas. Novamente
comunicava-se que o Brasil estava independente de Portugal e pedia-se o apoio dessas nações,
que poderiam ser beneficiadas com privilégios comerciais.
Finalmente, a sete de setembro, ocorreu o famoso “Grito do Ipiranga”. Ali, na realidade, D.
Pedro tornou público o seu rompimento com as Cortes, definindo que iria ficar no Brasil, como
imperador.
“o processo de emancipação política do Brasil configurou uma revolução, uma vez que
rompeu com a dominação colonial, alterando a estrutura do poder político – com a exclusão da
metrópole portuguesa. Revolução, entretanto, que levaria o Brasil do Antigo Sistema Colonial
português para um novo sistema mundial de dependências”.13
Porém, a independência só se consolida com o reconhecimento.
O primeiro país a reconhecer a independência do Brasil foi os Estados Unidos, em 1824.
Em 1825, venceram os tratados que a Inglaterra havia assinado com Portugal em 1810, por
meio dos quais os seus pagavam menos impostos no Brasil. Querendo renovar esses tratados, a
Inglaterra pressionou o governo português que, finalmente, reconheceu a independência do Brasil
apesar de ter feito algumas exigências para isso:
· D. João VI teria o titulo de Imperador do Brasil.
· O Brasil não poderia comercializar com as colônias portuguesas.
· O Brasil pagaria uma indenização a Portugal (dois milhões de libras esterlinas).
Assim, repetia-se no Brasil o que já ocorrera na América espanhola: a independência fora
realizada, mas sem transformações na estrutura econômica e social do país. A exclusão social
continuava a ser uma triste realidade.
“A descolonização é um processo lento, difícil e doloroso, comparável à convalescença de
uma longa e grave enfermidade”.14
NOTAS:
2 POMER, L. A Independência na América Latina. In: KOSHIBA, R. América, uma introdução histórica. São
Paulo: Atual, 1992. Pg. 81.
3FRIEDE, Juan. El arraigo histórico del espiritu de independência em El Nuevo Reino de Granada. In: Revista de
História de América, n. 33, jun. 1952, México.
4 LOPEZ, Luiz Roberto. História da América Latina. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, pg. 70-71.
5 POMER, León. As independências na América Latina. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981, pg. 9.
6 PRADO, Maria Lígia Coelho. “Sonhos e desilusões nas independências hispano-americanas”. In: América
latina no século XIX – tramas, telas e textos. São Paulo: Edusp, 1999. pg. 73.
7 LOPEZ, Luiz Roberto. História da América Latina. Porto Alegre: MeRCADO Aberto, 1986, pg. 82.
8 GRAHAN, R. Grã-bretanha e o início da modernização no Brasil – 1850-1914. São Paulo: Brasiliense, 1973. p 5.
9 DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002. Pg. 23.
10 FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994. pg. 113.
11 GAMA, Rinaldo. Revista Veja, 2mar. 1994. Pg. 100-101.
12 Debret, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1978. Pg.314.
13 MOTA, Carlos Guilherme, NOVAIS, Fernando A. A independência política do Brasil. São Paulo: Moderna,
1986.
14 MEMMI, A. Retrato do Colonizado, precedido do retrato do Colonizador. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977., p.
3.